terça-feira, 2 de outubro de 2012

(Nao) Procura-se


(Não) Procura-se um amor que não só goste de cachorros como de suas babas e unhas pontudas. Que não tente me segurar enquanto eu danço. Que não me incomode pelos sapatos que uso. Eles serão, sim, sempre os mais confortáveis.

(Não) Procura-se um amor que não se apavore com a quantidade de tatuagens que quero fazer – todas elas nunca acontecerão, eu acho que garanto. Que não tire com a minha cara se eu deixar passar uma atacante ou por acaso acertar a trave.

(Não) Procura-se um amor que me acompanhe na cerveja Weiss e que me agrade com balas de minhocas, dentaduras e ursinhos. Que saiba mexer no meu cabelo de uma forma que eu não pareça um Golden Retriever depois.

(Não) Procura-se um amor que entenda eu ter esquecido de colocar brincos pra ir no casamento ou não ter provado meu vestido de formatura até a véspera. Que me mime, apesar de eu parecer bronca e durona.

(Não) Procura-se um amor que reclame dos meus roxos de luta, mas que fique orgulhoso de saber o quanto isso me faz feliz. Que entenda que eu durma vendo os jogos da Seleção. Ou do Inter. Ou de qualquer outro que me dê vontade.

(Não) Procura-se um amor que não fique brabo se eu um dia beber até trocar as pernas e chamar os amigos recém feitos para dançar. Que não fique brabo quando eu roubar o último gole da água com gás ou o último pedaço da corn and bacon.

(Não) Procura-se um amor que saiba os autores que eu gosto, os cheiros que eu gosto, as cores que eu gosto, os toques que eu gosto. Que queira ver zumbis e depois uma comédia romântica ou filme com cachorros.

(Não) Procura-se um amor que não desmaie ao ver sangue. Que dê importância aos meus machucados. Que queira ser meu sparring – não te preocupe, eu não te bato, porque sei que tudo que vai, volta. Que saiba que tudo que vai, volta.

(Não) Procura-se um amor que goste daquela tia chata. Que queira estar com a minha família no churrasco de domingo e queira me levar para aquele aniversário no interior. Que aguente meu avô contando suas histórias de ginasta ou do meu parente defendendo o Acre.

(Não) Procura-se um amor que me queira como eu sou, como eu fui e como posso vir a ser. Que não tente me mudar de uma forma tão explícita. Que não me diga como eu deveria ser. Que não me compare comigo.

(Não) Procura-se um amor.

Não, procura-se.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Descuido.

Talles andava distraído. Não prestava mais atenção, não se fazia mais presente, parecia invisível. Não falava, não dava opinião, não aparecia. Parecia fora de si.
Ela notou.
Chamou ele em um canto e disse:
- Talles, o que tu tens?
- Não sei, professora. Ando meio distraído.
- Talles, acorda pra vida. A gente precisa de ti.
- Pode deixar, professora. Semana que vem eu já tô legal.
Em um trabalho de aula, se formou o grupo "5 e meio". Talles era o meio. Talles não estava lá por completo.
Na saída da aula, ela parou na frente de Talles, ainda sentado na classe, apertou seu rosto com carinho e encostou sua testa na dele.
- Fica conosco, Talles.

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Talles morreu na semana seguinte. Era carona em um acidente de carro em que morreram duas pessoas. Ele, descuidado da vida, desatento, parou de prestar atenção em si.


Na outra segunda-feira, o grupo Meio se apresentou em frente à classe.
E ela chorou. Como em poucas vezes havia feito.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Caramba...

Já tá na hora?

Mas nem deu tempo de nada...

... Nem consegui pintar as unhas de roxo nem pular na cama até encostar no céu nem comer ovos de páscoa sujando o tênis, a boca e os cabelos nem me pendurar no balanço de pneu que tinha na árvore de casa nem andar nas linhas formadas pelas lajotas das calçadas do bairro nem perder dentes de leite comendo milho nem sentar no colo da vó, que cheirava a baunilha nem cortar a franja no banheiro com tesoura de serrinha nem raspar o Danoninho com o dedo nem cochilar no sofá da sala enquanto via tevê nem abraçar por alguns minutos o cachorro ainda molhado no pátio nem ouvir o choro da minha prima ao acordar com fome nem cair de bicicleta no paralelepípedo nem tomar aspirina escondido da mãe nem tomar guaraná de canudinho nem desenhar fora dos contornos...

... Não deu tempo de rasgar a calça velha nem de passar no vestibular nem de fazer novos amigos nem de namorar duas, três, onze vezes nem de montar uma banda de pagode nem de montar uma de heavy metal nem de pintar o olho com rímel transparente nem de aprender a dirigir sem as mãos nem de quebrar a cara contra o muro nem de ter espinhas nem de fazer as unhas do pé nem de comer comida mexicana nem de escrever poemas em noites insones nem de tomar um porre de cachaça barata nem de ganhar meu segundo salário nem de gastar meu primeiro nem de xingar meu pai nem de fugir de casa...

... E nem casei nem tive filhos nem fiz um aborto nem perdi o emprego nem fui promovida nem comprei minha casa nem paguei o aluguel nem operei a coluna, a bacia e o braço nem tive surtos megalomaníacos nem crises da meia idade nem vi meus amigos morrerem de velhos nem percebi minhas pálpebras cairem por sobre meus olhos nem meus cabelos pularem da minha cabeça nem os sinais da pele aumentarem nem fui chamada de vó nem coloquei naftalina nos armários nem ofereci chá com bolachas às minhas amigas nem tive grupos de carteado nem fiz meu testamento...

... E já é hora de ir?

terça-feira, 17 de março de 2009

Acabou.

Ele virou de lado na cama, passou os dedos pela cintura dela e falou, baixinho, no ouvido.
- Acabou.
Como assim, acabou? Já são treze anos de casados! Dois filhos, casa em Gramado, conta conjunta, viagem de férias pra Torres programada e acabou?
- Acabou.
Ele se levantou e começou a vestir as calças de brim. Abotoou a camisa, deu nó na gravata, calçou os sapatos.
-Sou eu. Só pode ser eu. Me diz. Que eu fiz? O que eu mudo? Rubens, não sai assim. Rubens, tua gravata tá torta. Rubens, olha pra mim. Diz que não vai. Me alcança a minha camisola. Rubens. Ru. Binho. Olha pra mim.
- Onde tá a minha raquete?
- No closet. Rubens. Eu vou me matar, Rubens. Tu vais deixar o Lucio e a Izinha sozinhos? Rubens. To falando contigo.
- Maria Lucia. Acabou.
A mala estava fechada em cima da cama e ele procurava as chaves na cestinha da mesa de cabeceira.
- Nunca acho essas chaves. Não adiantou nada colocar esse sensor para palmas.
Clap. Clap.
- Tão aqui, de baixo da cama.
Clap. Clap
- Rubens, vou me jogar da janela. Olha pra mim, Binho. Sou eu, né? Me diz, Binho. Ali, ó. As tuas meias ficaram no chão. Rubens. Amor.
Eles se olham, em silêncio.

....

- Sabe que mais? Então vai. Vai que eu não te mereço, infeliz. Eu, aqui, chorando por ti, pensando em me enforcar no fio do varal, por ti. Pensado em deixar os meus filhos na mão de qualquer porca que tu fores encontrar. Nunca, Rubens. Nunca. Vais ter que conviver com a minha presença. E a minha indiferença. Cretino filho da puta.
- Ok.
- Ok?
- É. Ok.
- Mas...
- Mas?
- Ok?
- Sim. Ok.
Bateu a porta e saiu, com os gritos de Maria Lucia ao fundo.

...

Cinco minutos depois voltou. Maria Lucia tinha a maquiagem borrada e a cara inchada.
- E então? Fui bem??
- Foi sim, Binho. Mas semana que vem sou eu que vou embora, tá?
- Tá bom... Adorei a parte das palmas. (Clap. Clap.)
- Que bom. Agora vem aqui.



segunda-feira, 16 de março de 2009

Segunda

Parece que todos os dias são segunda-feira.
Que não teve final de semana, não vi nem o sábado nem o domingo passarem e já acordei na manhã de segunda, sem ter tido tempo de nada.
Não dormi até tarde, não fui na Redenção, não vi meus amigos ou fiquei com a família. Não aproveitei a noite nem o dia. Mal o vi sol, mal senti o vento, mal me molhei na chuva! Nem bati na quina da cama! Ou bati? Não lembro... já faz tanto tempo. Hoje já é segunda. Hoje ainda é segunda.

Esse tempo tem me feito falta.
Daqui a algum tempo, esse tempo vai fazer é uma falta danada.
Eu sei.

terça-feira, 3 de março de 2009

Já faz horas que não visito esse lugar. Que antes me era tão conhecido e aconchegante. Confortante.
E que agora virou sótão com lençóis brancos por cima dos móveis e poeira espalhada pelo chão. Fazia tempo que não me via assim.
Sozinha. Não só.
Já se vão anos que a companhia de outros me faz companhia.
Agora tenho a mim para me acompanhar.
Coração leve. Solto. Calmo. Aberto. Feliz.
Cheio.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mini

Posso dizer que nunca fui pequena. Uma criança que nasce com 4 kg não pode ser considerada um bebê de gente. Era mais para um repolho.

Aí cresci mais.

Sempre fui uma das maiores da turma. Pé-de-princesa tamanho 38. Ombros largos por causa da natação desde o nascimento. Pernas e braços compridos. 1,70 de altura e mãos de pianista.

Aí cresci mais.

Aí cresci por dentro.
Aí virei eu.
Aí, vi que valia a pena.
Aí deu.
Nunca achei que fosse ter olheiras.
Não sou insone ou boemia.
Elas agora me perseguem.
Para onde quer que eu mire,
sinto o peso da responsabilidade no olhar.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Stand by.

(em tom de desabafo)

Me mantive por muito tempo em espera. Em stand by. Com a luzinha vermelha piscando. Sem a menor vontade de movimentação. Física e mental.

Aí me veio aquele velho e conhecido estalo. De que era preciso fazer alguma coisa ou não ia dar certo. Já vinha passando por um momento muito complicado. Nunca achei que pudesse me estressar. Pra mim, isso é coisa ou de gente chique ou de frequentador de terapeuta ou de workaholic.
Ou seja, não o meu caso.

Precisava me mexer. Sacodir o tapete para conseguir colocar a casa em ordem.

Comecei cortando cabelo. Puxei de um lado para o outro na pia do banheiro e picotei. Picotei afu. Cortei de cima pra baixo, de um lado para o outro, sorrindo ao ver cada melena cair com gosto na toalha estendida no balcão de mármore. Me olhei no espelho. Ainda era eu, vou ser sempre eu, mas com um ar mais leve.

Voltei para a musculação. Precisava recuperar meu ânimo, meu fôlego, meu corpo. Precisava redescobrir certos músculos que tinha esquecido que existiam. Precisava me sentir bem. Não importava o que os outros diziam. Queria me olhar e me reconhecer.

Deixei de me importar tanto. Cansei de me incomodar e me estressar com o trabalho, as aulas e as pessoas.

Passei a festejar mais as coisas. Coisas. O chão, o vento, o sol, a flor, a cama. Coisas mesmo. Tentar me focar no meu amor não só por quens, mas também por quês. Tentei ouvir a minha tia, que tanto festeja tudo.

Comecei também a levar mais em conta o meu amor pelas pessoas. Amigos, namorado, família, desconhecidos. Nunca fui muito emotiva, sentimental ou amorosa. Como já disse anteriormente, não consigo abraçar com os dois braços. Mas venho tentando transmitir meus sentimentos.

Já consigo me sentir melhor. Seja pelo cabelo novo, pelo biceps que teima em reaparecer ou por aqueles a quem consegui demostramar.